Urias já vinha sendo considerada uma grande revelação da música pop, com o seu primeiro single “Diaba”. Quando lançou, no ano passado, a primeira parte do seu primeiro álbum, ‘Fúria’, ela dobrou a aposta. Agora o ciclo se completa com o lançamento da obra completa, projeto que mostra todo o potencial da mineira.
Ao longo de 13 faixas, a artista usa seus próprios sentimentos como matéria prima para construir um álbum que passeia por gêneros e temáticas diferentes – e a raiva é o principal componente. Com ela, a cantora busca ampliar seu discurso e se colocar sempre de forma assertiva, mas com equilíbrio, através de letras intensas e diretas.
A sonoridade do disco se destaca pela mescla de hip hop, R&B e pop, bebendo bastante de referências internacionais, mas sem deixar de ter uma identidade brasileira. A produção de Gorky, Maffalda e Zebu sabe explorar bem a proposta de Urias e oferecer as ferramentas necessárias para dar equilíbrio a esse turbilhão de sentimentos.
Com uma produção caprichada de 3 dos nomes mais criativos do pop brasileiro, hoje, Urias fica à vontade para se aventurar entre os gêneros musicais e não faz cerimônia para mostrar que não vai ficar restrita a um nicho.
Você pode começar achando que se trata de um disco de rap, mas logo em seguida surge o som de sintetizadores e um pop R&B te pega sem aviso. Mais a frente você percebe que ela está brincando com referências latinas e em outro momento, caminhando sutilmente para o rock.
Isso não faria de Urias uma artista indecisa? Aí é que você se engana, pois ela tem a manha de encaixar tudo direitinho e fazer cada faixa conversar uma com a outra. O álbum é coeso e funciona bem como uma unidade.
A jovem de 26 anos sabe do seu poder como artista e não se refuta a brigar para ter o espaço que merece. Em “interlude” ela fala dos desafios de ser uma mulher trans negra no cenário pop brasileiro: “Mas porque a gata é cis ou porque a gata é branca ou até os dois junto / Ela sempre vai ‘tá disfrutando mais'”, desabafa nos versos da canção.
Em “Pode Mandar”, sua raiva e indignação se transformam em combustível para versos de um rap certeiro e afiado. “Perto do que eu mereço, o que eu peço não é nada”, afirma na letra. “Racha”, “Aposta” e “Cadela”, também se destacam pela ironia, deboche e acidez das letras.
Mas não somente a raiva define ‘Fúria’, pois há também passagens em que demonstra fragilidade e um bocado de melancolia. É o que acontece em “Foi Mal”, primeira faixa do álbum a ser apresentada, lançada como single em 2021. A canção, que é um dos pontos altos da obra, é um lamento por não saber corresponder a um amor sincero.
“Explícito” é uma excelente parceria com Hodari, um momento mais sensual e declaradamente pop. “Classic” conta com a participação de Charm Mone e se aproxima mais do trap.
“Peligrosa” é uma das faixas que flerta com influências latinas, como o reggaeton, e até inclui alguns trechos em espanhol. “É Tudo Meu”, vai mais fundo na base eletrônica. “Maserati” é outro momento em que a energia da raiva aumenta a temperatura.
“Tanto Faz” volta a expor um lado mais frágil da cantora e é outro dos melhores momentos do disco. Uma balada que remete ao hit “Love on The Brain”, de Rihanna, com uma interpretação mais delicada e uma atmosfera melancólica que encerra o álbum com gosto de quero mais.
Em ‘Fúria’, Urias mostra várias facetas de sua personalidade como artista e não tem pudores de usar sua raiva e seus sentimentos mais íntimos para compor uma obra que passeia por diferentes momentos e influências artísticas. Uma estreia que supera as expectativas e a coloca em um lugar destaque no pop nacional.
Formado em Jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Possui passagem por assessoria de comunicação e produção de críticas musicais desde 2020 em redes sociais. Apaixonado pelo universo e cultura pop, pesquisa e produz conteúdo para o nicho desde 2019.