Em ‘Sim Sim Sim’, Bala Desejo une passado e presente em um único som

Dora Morelenbaum, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra, amigos de longa data, formam juntos o grupo Bala Desejo. Em atividade há 2 anos, mas lançando agora, em 2022, o  seu primeiro álbum, ‘Sim Sim Sim’. O Projeto traz refletido em sua execução a pluralidade e a potência da bagagem de referências do quarteto. 

Bala Desejo
Capas dos Lados A e B de ‘Sim Sim Sim’.

O disco é fundamentado em referências da MPB que vão da década de 1970 ao início dos anos 1980. Essa inspiração está refletida, inclusive, no formato da obra, dividida em dois EPs nomeados de ‘Lado A’ e ‘Lado B’, como um disco de vinil. Essa atmosfera, no entanto, não é puramente nostálgica.

As 13 faixas dialogam o tempo todo com o presente. O Brasil pós-pandemia está retratado aqui de uma forma que foge das abordagens já batidas sobre o assunto. As dificuldades e as cicatrizes do isolamento social estão marcadas, mas sem soarem pesadas, elas são apenas pontuadas como parte da vida cotidiana.

A obra parece mais focada em redescobrir e reacender o que há de melhor no Brasil. Bebendo da fonte de nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Rita Lee, Jorge Ben Jor e muitos outros, a banda celebra a música popular e nos faz lembrar do que o país é capaz de produzir. Conceito sintetizado no título do álbum. 

O Carnaval é o pano de fundo do projeto, a alegria, o clima quente e a mistura de sons da festa é evocada em vários momentos, principalmente na primeira parte. A segunda já caminha mais para algo intimista, reflexivo, mas ainda assim, com uma pegada pop e positiva, sem soar forçada. 

O Bala Desejo embarca em uma Kombi imaginária que serve de veículo pelo qual eles vão viajando por diferentes tons do som colorido do grupo, carregando o espírito de grandes coletivos como Novos Baianos e Doces Bárbaros. Essa viagem é apoiada pela colaboração dos roteiristas Bruno Jablonski e Maria Santos  e a coprodução musical de Ana Frango Elétrico.

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A obra abre com “Embala pra Viagem”, uma introdução em que ouvimos um diálogo que se passa em um algum boteco com as participações de Tereza Cristina e Mosquito. Teresa é madrinha do quarteto, que apareceu tocando junto pela primeira vez em uma de suas lives no Instagram.

A passagem dá o tom de casualidade e descontração que permeia o disco e faz ponte com a faixa seguinte. “Baile de Máscaras (Recarnaval)”, é uma boa síntese de ‘Sim Sim Sim’. Uma canção pop carnavalesca que remete a Rita Lee, Caetano Veloso e Moraes Moreira contextualizados no universo dos quatro integrantes.

“Lua Comanche” traz uma levada de Jorge Ben Jor e é cercada de misticismo. “Clama Floresta”, toca nas questões ambientais e na celebração às riquezas ambientais do Brasil, com um toque de reggae a lá Gilberto Gil. “Dourado Dourado” traz, na letra, o clima tropical como antídoto para o peso dos tempos.

“Nesse Sofá” é um retrato do tédio do isolamento social em versos como: “Passa tempo, passa nada / Passo meu café / Mas um dia perco a minha fé”. Aliada a “Nana del Caballo Grande”, essas duas faixas vão diminuindo o tom e preparando o terreno para a segunda parte do disco. 

O ‘Lado B’ abre com “Chupeta”, uma passagem em que ouvimos a Kombi do Bala Desejo enguiçar e precisar ser empurrada para voltar a ativa, fazendo a ponte para “Lambe Lambe”, uma faixa que deixa explícita na letra a salada de referências do grupo.

“Passarinha” traz à tona a latinidade da banda. A faixa-título é mais surrealista. Simula uma chuva de sins, reforçando a intenção positiva da obra. “Muito Só”, traz uma aura de Gal Costa encontrando Tim Bernardes. “Cronofagia (O Peixe)” encerra com um canto que simboliza a geração do quarteto.

Em ‘Sim Sim Sim’ o Bala Desejo faz sons, ideias e estéticas, do passado e do presente se tornarem uma coisa só. A obra consegue, ao mesmo tempo, ser leve, divertida, pop e tocar em pontos que se conectam diretamente com as transformações e as cicatrizes dos últimos anos, sem jamais ficar pesada, ou melancólica.