Arcade Fire revisita primeiros álbuns e retorna às origens em ‘We’

A partir de 2013, o Arcade Fire tentou fugir da reputação já conquistada pela banda e partir para caminhos mais ousados e ambiciosos. O álbum “Reflektor” (2013) foi o melhor fruto dessa experiência e o “Everything Now” (2017) o seu tropeço. Agora a banda pisa no freio e retorna às origens com seu mais novo álbum “We“.

Após o gosto amargo deixado pelo disco antecessor, que foi engolido pelo cinismo deslocado e a estratégia de marketing confusa, o grupo, liderado pelo casal Win Butler e Régine Chassagne, parece ter entendido que a banda estava se perdendo em sua própria grandiosidade e deram uma pisada de freio. 

“We” pode ser confundido facilmente com um disco entre “Funeral” (2004) e “The Suburbs” (2010). Aqui, o Arcade Fire retorna para o rock de arena épico com alta carga emocional que conquistou o público. Rigorosamente não há nenhuma novidade no projeto, mas isso não é necessariamente algo ruim.

A escolha de recorrer a um lugar seguro tem seus altos e baixos durante a obra. Com 10 faixas divididas em duas partes: “I” e “We“, o álbum estende de forma mais madura a mistura entre o rock e o synth-pop .

A primeira parte traz sentimentos e reflexões que remetem ao atual período pós-pandêmico. A ansiedade, a solidão e o medo dão o tom das primeiras faixas. A segunda parte é regida por uma euforia, aliada a um clima de otimismo, celebração e reencontro. E é nesse momento que o projeto derrapa. 

Apesar dos arranjos empolgantes e as estruturas melódicas contagiantes, as letras nem sempre dão conta do recado e caem em uma forma genérica em alguns momentos. A sensação é de que elas não dão conta da emoção pedida pelo instrumental e deixam algumas faixas inchadas e repetitivas. 

O álbum já começa com um de seus melhores momentos, as faixas “Age of Anxiety“ I e II. Uma reflexão sobre o caos dos dias atuais, os reflexos da pandemia de Covid-19 e o impacto de tudo isso na saúde mental. A primeira parte é mais introspectiva e faz preparação para a explosão de sintetizadores da segunda.

• Florence and the Machine traz sua intensidade de volta em ‘Dance Fever’
• Em ‘Harry’s House’, Harry Styles entrega seu trabalho mais maduro e pessoal

“End of Empire I-III” traz um sabor agridoce, ao descrever um cenário pós-apocalíptico, com melancolia mas também com beleza. A faixa começa como uma balada épica, com destaque para piano, e vai crescendo e ganhando peso com as guitarras até desaguar na impactante “End of Empire IV ( Sagittarius A*)“.

“The Lightning I” continua navegando por esse cenário sombrio e distópico, agora trazendo elementos políticos, e com um fundo esperançoso na melodia eufórica que se intensifica em “The Lightning II“. Esta segunda parte é mais alegre e catártica e caminha entre a fé e a espera por uma salvação.

“Unconditional I” traz um experimento com folk e um rock melódico, que complementa o tom otimista da segunda parte da obra. A letra traz conselhos para uma nova geração, de alguém que carrega muitas marcas  e passa o bastão para os que estão por vir. 

Já “Unconditional II” traz um otimismo caricato, abordando religião e união dos povos de uma maneira idealista, porém rasa. A intenção parece ser fazer algo parecido com “Imagine” de John Lennon, mas acabou não tendo o peso necessário na letra. “Eu serei sua raça e religião / Você é minha raça e religião / Esse amor não é superstição / Corpo e alma unidos”.

Em “We” o Arcade Fire faz um recuo para recuperar o que foi perdido em “Everything Now” e até refazer alguns experimentos do polêmico álbum de forma mais inspirada. Apesar de um pouco inconstante, a obra ainda traz a paixão e efervescência características da banda e soa como algo transitório para um novo período que pode trazer boas novidades.

Rafael Lima

Formado em  Jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Possui passagem por assessoria de comunicação e produção de críticas musicais desde 2020 em redes sociais. Apaixonado pelo universo e cultura pop, pesquisa e produz conteúdo para o nicho desde 2019.